04 novembro 2009

1. Irreal social


Há um prazer singular em ver – e ouvir – trabalhar os “amigos do alheio”. Não os carteiristas e corruptos, a cujos espectáculos muito diversificados assistimos todos os dias, infelizmente, e sem hora ou palco previamente anunciados. No caso, estou a referir-me aos que, em sentido mais literal, se deixam deslumbrar e seduzir pela grandeza de terceiros e gerem esse sentimento de uma forma activa: em vez de se limitarem a aplaudir e a evocar, partem para propostas transformadoras, para abordagens inéditas e/ou insólitas, para exercícios de um saudável revisionismo estético, mais assinaláveis ainda se acabarem por se constituir como valores acrescentados.


Pura ilusão, a de que se trata de um processo fácil, se pensarmos no universo da Música Popular. Nada disso: passa pela identificação e assimilação, segue pelo estudo da essência e pela captação da alma, continua em direcção ao que se pretende alterar e à forma como se procede à desfocagem inicial para, enfim, rumar a um desfecho que casa a lição apreendida com uma nova personalidade própria. É, então, algo de compensador e – nos melhores exemplos – transcendente, porque as mesmas pistas, o mesmo mapa, acaba por nos conduzir a um tesouro muito diferente, na substância e na “localização”.
 
Além do mais, eu sentia que os meus anos 80, versão nacional, estavam há demasiado tempo postos em sossego. Por outras palavras: seria útil e agradável, pedagógico e funcional, voltar aos hinos acumulados por tantos nomes de referência e descobrir que, afinal, todos eles mereciam mais do que a interpretação oficial. Com sabedoria e instinto, o Miguel e o Ricardo, muito bem reforçados pela Gabriela, optaram pela suavidade – lá está o toque inconfundível da Seda – quando trouxeram novos mundos (da Bossa Nova ao quase reggae e a tudo o mais que fica agora aberto à consulta universal) aos universos originais de Rui Veloso, Jorge Palma, Táxi, António Variações, Xutos & Pontapés, Rádio Macau e Sétima Legião, entre outros. Em cerca de três quartos de hora, disputa-se aqui a segunda parte de um jogo em que ninguém fica a perder, até por não se tratar de uma competição, mas tão só de uma afirmação.


Fico feliz com o resultado final. E com a certeza de que estas versões acabarão por despoletar novas aventuras e outras releituras. Acreditem: é um trabalho de amor e de resistência. E mostra a grandeza inesperada e múltipla da rota da Seda, uma viagem feito com rumo e sem pressas.
 
Alinhamento do Album:
1. Irreal social

2. 40 graus à sombra
3. Amanhã é sempre longe demais
4. Cairo
5. Sete mares
6. Chuva dissolvente
7. A rapariguinha do Shopping
8. O corpo é que paga
9. Robot
10. Foram cardos foram prosas
11. Deixa-me rir

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