Vendo chegar a viatura oficial com o porta-bagagem carregado de lenha, o chefe do Governo gritou irado à sua governanta: «Os carros do Estado não são para carregar lenha! Não consinto!». A mulher não se ficou e gritou no mesmo tom: «Merda! A lenha não é para mim, é para o Salazar!»
Quem se atreveu a gritar assim a António de Oliveira Salazar, homem temido e respeitado por todos, foi Maria de Jesus Caetano Freire, a sua dedicada e fiel companheira ao longo de toda uma vida.
Nascida no seio de uma pobre família camponesa no lugar de Freixiosa, distrito de Coimbra, aos 31 anos começou a servir os universitários e amigos Manuel Gonçalves Cerejeira e António de Oliveira Salazar. Seguiu este último para Lisboa e só o abandonou quando, aos 81 anos, o ditador morreu por doença. Maria de Jesus tinha cumprido a missão da sua vida. Nunca casou, nem teve filhos.
Joaquim Vieira traz-nos a história de A Governanta, D. Maria ou Menina Maria, como Salazar gostava de tratá-la. Ninguém esteve tão perto do ditador durante o seu percurso de poder. Ninguém o conheceu tão bem, nem partilhou tantos momentos de intimidade. Recluso e celibatário, Salazar tinha no diálogo diário com a sua governanta o único contacto com a realidade dos portugueses. Fica a questão: até que ponto a sua influência não pesou nalgumas opções governativas do homem que comandou o país durante quatro décadas?
Mulher dura, forte, atenta, de uma dedicação canina, foi intendente, organizadora das lides domésticas, secretária, companheira, portadora de recados e pedidos, informadora de murmúrios e opiniões que mais ninguém se atrevia a expressar, conselheira e até enfermeira, nos seus últimos tempos de vida, do fundador e líder do Estado Novo. D. Maria foi tudo isto, e por isso merece um lugar de destaque na História do século XX português.
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