Em tempos de comemoração da longa, diversificada e florescente relação entre Japão e Portugal, uma demanda artística por criadores únicos e visionários foi o ponto de partida. Da entusiástica troca de informação e opinião entre o comissariado português e japonês das presentes celebrações do “Tratado de Paz, Amizade e Comércio”, três artistas singulares, e talvez inesperados, surgem para a mostra conjunta que intitulámos “Namban Jin 3 # XXI”. No fundo, é uma evocação e jogo de tempos e espaços que transportam simbólicas vastas que se cruzam transdisciplinarmente com Teresa Lacerda, DDiArte (Zé Diogo e Diamantino Jesus) e João Figueiredo. Todos eles segmentados no que poderíamos chamar de fora de um “mainstream” o que, logo à partida, suscita fortemente um elemento surpresa e, sobretudo, posiciona-os numa aura demais sensível, apurada e inspirada. Estes namban jin contemporâneos, já não se deslumbram pela primeira vez com o País do Sol Nascente nos seus imaginários, mas sim, nas suas criações, sentimos como ecos em catadupa de elementos mais ou menos subtis e evidentes que compõem a supremacia e esplendor visual das suas obras. É este o elemento decisivo para a sua escolha e pertinência absoluta neste âmbito.
Os DDiArte são como mestres mágicos da transfiguração e manipulação. As suas imponentes imagens mergulham-nos num mundo de real transmutado ou de sonho materializado, onde as linhas de separação são ténues e as simbólicas milenares têm duplos sentidos e fundem-se com os indícios formais do quotidiano. Talvez uma leitura “naïf”, mas evidente, aponta a divertida materialização de seres etéreos, onde corpos reais dão-nos o prazer da fruição do embelezamento da carne que anteriormente era unicamente apreendido nas cristalizadas obras figurativas dos clássicos da pintura e escultura da história da arte. Contudo, e aí reside a grande transposição dos enredos para encenações contemporâneas, a ironia e crítica são reveladas através das múltiplas pistas do mundo dos dias de hoje. Aqui, em “AHREOS”, o complexo enredo de personagens, amantes e “sempre deuses” são envoltos numa volatilidade e composições onde a levitação, o pendurado e o esvoaçante imperam. É uma constante celebração do culto e esplendor corpóreo, que imediatamente remete, também, para um sopro japonês das artes kinkabu, shibari e tsuri, que concorrem para o mesmo sublime e exaltação estética.
O fascinante universo de Teresa Lacerda sempre fez dialogar tempos e espaços. Ecos do passado, com tema recorrente oriundo da eterna Ásia, facilmente são reinterpretados plástica e semanticamente. Aí, a matéria e a simbólica fluem ao sabor dos cruzamentos que caracterizam as suas obras. Em "WABI SABI" a busca continua e diversos aspectos são abordados e podem ser questionados. As reminisciências plásticas entre o Dou (armadura toráxica e abdominal dos samurais) e o Kabuto (capacete) com novos e banais materiais contemporâneos (as caixas de pasta de papel reciclada dos ovos) são evidentes. O resultado é incrível, hipnótico e enganador e as dialécticas são curiosas e infindas. Podemos constatar como contrapontos entre a versatilidade e a aura dos materiais, oscilando entre nobres (madeiras e metais lacados e dourados) e reciclados (papel), extremamente fortes e aparentemente frágeis, acabam por, em última e curiosa análise, assinalar as mesmas funções protectoras (armadura/homem e caixa de papel/ovo). Adereços metálicos, fundamentais na composição estilística e na ornamentação samurai, são obtidos através da reutilização de diversos materiais e de patines produzidas para o efeito final. "Wabi Sabi" conquista o arrebatar típico em Teresa Lacerda: um sopro de inspiração do Oriente que nos detém através de uma perplexidade complexa, original e inesperada.
João Figueiredo reune pela primeira vez uma importante série onde o feminino é supremo: “PT • WOMAN • A TRIBUTE”. Apenas com a singularidade masculina de D. Pedro V, rei de Portugal entre 1853-1861, traça-se desde o séc. XVI, com a Rainha Santa Isabel, até ao séc. XX, com a diva Amália Rodrigues, quatorze perfis de emblemáticas figuras da nossa história. João Figueiredo tem a refinada capacidade de, através da sua pintura a partir de obras mestre, fazer a dualidade plástica do evidenciar e esconder informações, símbolos ou detalhes presentes nessas obras a favor de um enredo, de uma história, de uma nova abordagem ou de uma revelação tentadora e inesperada. É um meticuloso e brilhante processo intuitivo completado pela inserção modernista de módulos, enquadramentos, directrizes geométricas como que se de espelhos ou lugares obscuros e extraordinários se tratasse e de onde as personagens comunicam, aparecem e dialogam. Uma intemporalidade transcendente é conquistada e aplaudida. Figueiredo, por outro lado, é o único artista português patrocinado pela Swarovski Crystal, elemento crucial no seu trabalho e que lhe confere um prestigioso requinte contemporâneo de excepcção e que faz a perfeita simbiose da aura das diversas dimensões, épocas e simbólicas das suas criações. No final, cada apurado e requintado retrato apresenta uma personagem desmultiplicada em episódios e personalidades e cujo glamour e altivez são para sempre eternizados e mais uma vez celebrizados pela mão de João Figueiredo.
Com Namban Jin 3 # XXI pretendemos que um novo leque de informações, sensibilidades mas, sobretudo, elos figurativos e esplendorosos assinalem como a relação entre as nossas duas culturas quebram distâncias temporais e geográficas e enriquecem e inspiram visões e criações ao nível da sua semântica e plasticidade. Que as obras de Teresa Lacerda, DDiArte e João Figueiredo suscitem encantamento, tanto junto de japoneses como portugueses, através dos seus símbolos armados e cruzados, corpos manipulados pelo ar e alter egos históricos despertados em bling.
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